Capítulo 14 - Ondas no oceano
Material escrito pelo Prof. Dr. Joseph Harari e disponibilizado impresso durante aulas da disciplina IOF 1202 - Oceanografia Física Descritiva, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo no ano de 2007.
1. Introdução
A superfície do mar apresenta variações contínuas de nível. E, em qualquer local, a superfície é alternadamente erguida e rebaixada, em relação a uma posição média. Visando descrever o fenômeno das ondas, são usados os seguintes termos, relativos a um único distúrbio simples (Figura 1):
Figura 1
- Elevação η: é a distância vertical instantânea de um ponto da superfície a um nível representando a superfície sem distúrbio.
- Altura de onda (H): é a distância vertical entre uma crista (máxima elevação) e o cavado (mínima elevação) adjacente.
- Amplitude (A): é a metade da altura de onda, A=H/2.
- Comprimento de onda (L): é a distância horizontal entre cristas consecutivas (ou
cavados consecutivos), na direção de propagação da onda.
- Número de onda (k): é a relação k = 2π/L.
- Período da onda (T): é o intervalo de tempo entre a ocorrência de cristas (ou
cavados) sucessivos, numa posição fixa.
- Frequência (f): é o número de cristas (ou cavados) que ocorrem numa posição fixa
por unidade de tempo, f = 1/T .
- Frequência angular (σ): é a relação σ=2π/T.
- Velocidade de fase (c): é a velocidade na qual a onda viaja, c = L/T = &sigma/k.
- Velocidade de grupo (cg): é a velocidade na qual a energia das ondas se propaga,
cg = dσ/dk.
- “Esbeltez”: é a relação H/L.
2. O espectro das ondas na superfície do mar
A Figura 2 e a Tabela 1 mostram a designação dos diversos tipos de ondas na superfície do mar, seus períodos, energia relativa, suas causas e as forças controladoras das características das ondas.
Figura 2: espectro de densidade de energia de ondas (Munk, 1950).
Tabela 1: classificação de ondas.
Tipo | Faixa de período | Força controladora | Força geradora | Obs. |
Ondas capilares | < 0,1 s | Tensão superficial | Vento | |
Ondas ultra-gravidade | 0,1–1 s | Tensão superficial e gravidade | Vento | |
Ondas de gravidade ordinárias | 1–30 s | Gravidade | Vento | Swell e vagas pertencem a esta categoria. |
Ondas de infra-gravidade | 30 s–5 min | Gravidade e efeito de Coriolis | Vento e ondas de gravidade ordinárias | Surf beat, ondas de tormenta e seiches pertencem a esta categoria. |
Ondas de longo período | > 5 min | Gravidade e efeito de coriolis | Tormentas e terremotos | Fazem parte desta categoria os tsunamis e marés de tormenta. |
Ondas de maré ordinárias | Períodos fixos diurnos ou semi-diurnos | Gravidade e efeito de coriolis | Atração gravitacional do Sol e da Lua | |
Ondas trans-maré | > 24 h | Gravidade e efeito de Coriolis | Tormentas e atração gravitacional do Sol e da Lua | |
3. Descrição dos principais tipos de ondas na superfície do mar
- Ondas capilares: ventos muito fracos provocam distúrbios muito pequenos na superfície do mar, chamados ondas capilares; seu período característico é menor que um décimo de segundo e a força restauradora é a tensão da superfície.
- Marulho (swell): na ausência de ventos locais, os distúrbios na superfície de locais profundos tendem a ser ondas longas e regulares, comperíodos de 5 a 30 segundos. A amplitude é pequena em comparação com o comprimento de onda (A << L) e a configuração da superfície na direção de propagação da onda se aproxima a uma função seno. A variação da elevação (η) no tempo t e no espaço x pode ser expressa por \[ \eta = A \cdot \cos\left[ 2\pi\left( \frac{x}{L}-\frac{t}{T} \right) \right] \] ou seja \[ \eta = A \cdot \cos\left( k x - \sigma t \right) \] onde x é medido na direção de progressão das ondas. No marulho (swell), as cristas e cavados formam linhas longas e retas, que se estendem por pelo menos 6 ou 7 comprimentos de onda, perpendicularmente à direção de propagação. Uma única crista viaja uma distância L num tempo T, de modo que a velocidade de fase da onda ou celeridade é dada por \[ c = \frac{L}{T} = \frac{\sigma}{k} \] O marulho (swell) representa ondas geradas pelo vento que viajaram para fora da área onde foram geradas.
- Ondas de vento (vagas): Quanto mais fortes os ventos, maior a amplitude das ondas por ele geradas. E maiores amplitudes são associadas com maiores comprimentos de onda e maiores períodos. Quando o vento local cessa, as flutuações da superfície logo adquirem características de marulho (swell). Entretanto, a presença dos ventos faz com que as ondas então geradas não tenham feições regulares como o marulho (swell) mas parecendo ter “cristas reduzidas”. Ondas das mais variadas amplitudes, comprimentos e períodos podem ser identificadas. As cristas das ondas são notavelmente na forma de picos e tendem a ser inclinadas na direção de propagação. Ainda que a direção geral de progressão coincida com a dos ventos presentes e recentes, há consideráveis variações de ondas individuais; isto resulta em picos mais curtos e no “mar confuso”.
A forma de pico das ondas geradas pelo vento pode ser atribuída à interferência de ondas de diferentes períodos e velocidades, mas há razões teóricas que justificam porque componentes individuais não possuem a forma senoidal pura. Matematicamente, ondas geradas pelo vento são representadas pela somatória de termos senos e cossenos. Os parâmetros característicos das ondas são então caracterizados por valores extremos ou por valores médios. Por exemplo, a altura da onda é substituída pela “altura significativa”, sendo esta a média das alturas de um terço das ondas de maior amplitude. O "período significativo" é o período associado com as ondas de “altura significativa”.
O mecanismo exato de geração de ondas de vento na superfície não é completamente conhecido. Na verdade, podem ser considerados dois mecanismos, agindo separadamente ou em conjunto; o primeiro na forma de drag (arrasto) e o segundo na forma de flutuações da pressão na camada limite turbulenta da atmosfera.
“Pista” é a extensão horizontal (fetch) em que o vento age na superfície do mar, a partir do ponto de observação. “Duração” é o tempo de atuação do vento na superfície do mar.
- Surf beat: Ondas resultantes da sobreposição de ondas incidentes em praias inclinadas são
chamadas surf beat, cujo período típico é de vários minutos. Elas representam um modo de oscilação da água distinto, o qual é excitado pela ação de ondas.
- Seiches: Corpos d'água apresentam frequências naturais de oscilação, regulados pela
profundidade, dimensões horizontais e configuração de bacias, plataformas, baías, estuários, etc… Estas frequências naturais de oscilação, chamadas seiches, normalmente são excitadas por condições meteorológicas ou marés.
- Ondas de tormenta: São ondas devidas a ventos muito fortes.
- Tsunamis: Os tsunamis são ondas geradas por distúrbios do fundo marinho (maremotos e
terremotos), em intervalos irregulares; seu nome japonês é indicativo de sua freqüente ocorrência no Pacífico. No mar aberto, essas ondas longas passam praticamente desapercebidas, embora a energia transmitida seja grande; já em regiões rasas, essas ondas atingem um efeito espetacular, formando verdadeiras paredes de água, de até 5 ou 10 metros de altura, causando grande destruição em áreas costeiras. Os períodos das ondas são da ordem de 10 a 30 minutos, e os comprimentos de onda no oceano profundo vão de poucos quilômetros a centenas de quilômetros.
- Marés de tormenta ou ressaca: Ventos persistentes podem empilhar água contra a costa, elevando de forma anormal o nível da superfície do mar; podem também rebaixar de forma exagerada este nível. Esses efeitos são chamados marés de tormenta ou ressacas e podem ser tratados como ondas de longo período, embora esses distúrbios não sejam, estritamente, periódicos.
- Marés: Marés astronômicas ou, simplesmente, marés são distúrbios resultantes da atração gravitacional do Sol e da Lua, com periodicidades bem definidas. Os movimentos da água são característicos de ondas longas, sendo muito influencados pela configuração das bacias e pela aceleração de Coriolis.
- Ondas trans-marés: A composição de distúrbios gerados por tempestades ou furacões com as marés astronômicas forma as ondas de trans-maré.
4. Medição de ondas de superfície
Ondas podem ser medidas através de sensores de pressão colocados no fundo do mar e que são sensíveis às oscilações de alta frequência da superfície do mar, registrando-as internamente. O uso de vanos ondógrafos (de pressão) numa determinada área permite conhecer, além das amplitudes e períodos, também a velocidade de propagação e o comprimento das ondas.
As ondas podem também ser medidas em plataformas fixas, com sistemas de bóias acopladas a régua e pena, os quais registram variações de alta freqüência do nível da superfície do mar.
Atualmente, ondógrafos direcionais são utilizados, baseados em bóias de superfície fundeadas (em geral na plataforma continental) e que medem a aceleração da água, fornecendo assim a altura e direção das ondas.
Finalmente, medições da altura significativa de ondas são realizadas através de altimetria de satélite, em função da forma dos ecos de sinais eletromagnéticos.
5. Teoria de Airy de ondas de gravidade
A equação 2 descreve plenamente uma onda plana de forma permanente. Onda plana significa aquela que tem crista longa, isto é, a forma do distúrbio é independente da coordenada horizontal normal à direção de propagação. Forma permanente significa que, seguindo a onda na sua velocidade de fase ou celeridade (c = c/k = L/T), o campo de movimento, a distribuição de pressão e a elevação da superfície permanecem constantes.
A superfície com distúrbio é harmônica simples e com amplitude constante. Teoricamente, este tipo de trem de onda somente pode existir se a amplitude é muito pequena quando comparada à profundidade total do local e também em relação ao comprimento de onda. Se essas condições não são satisfeitas, então a configuração da superfície deve se aproximar da forma trocoidal, caracterizada por cavados longos e planos e por cristas estreitas e pontudas. O movimento de partículas nas ondas trocoidais não é puramente oscilatório, e alguma forma de translação do fluido ocorre.
A teoria de onda clássica ou teoria de Airy trata de ondas planas de forma permanente. Como são ondas planas, uma solução bi-dimensional será completa.
Considere-se um sistema de coordenadas como o da Figura 3, com sua origem na superfície sem distúrbio. A dimensão \(x\) aumenta na direção de propagação da onda e \(z\) é medido na vertical, positivo para baixo. \(u\) e \(w\) são as componentes de velocidade das partículas nas direções \(x\) e \(z\) respectivamente (versores \(\vec{i}\) e \(\vec{k}\)). O fundo é em \(z=h\), onde \(h\) é a profundidade da coluna sem distúrbios. \(p\) é a pressão.
Figura 3
As seguintes hipóteses são consideradas:
- A amplitude do distúrbio na superfície é muito pequena se comparada ao comprimento de onda e à profundidade.
- O fluido tem profundidade uniforme \(h\).
- O fluido é não viscoso e irrotacional (sem vorticidade).
- O fluido é incompressível e homogêneo.
- A aceleração de Coriolis pode ser desprezada.
- A tensão na superfície pode ser desprezada.
- O fundo é suave e impermeável.
- A pressão atmosférica no nível do mar é uniforme.
(5) exclui ondas muito longas; (6) exclui ondas muito curtas; (4) exclui ondas acústicas e internas.
Da hipótese (4) (não divergência) resulta:
\[ \frac{\partial u}{\partial z} - \frac{\partial w}{\partial x} = 0 \]
Da hipótese (3) (irrotacionalidade) resulta:
\[ \frac{\partial u}{\partial x} + \frac{\partial w}{\partial z} = 0 \]
A aceleração na direção \(x\) é devida apenas ao gradiente de pressão. Sendo \(\rho\) a densidade do mar,
\[ \frac{\partial u}{\partial t} = -\frac{1}{\rho}\frac{\partial p}{\partial x} \]
O sistema de equações (4), (5) e (6) fornece as soluções de \(u\), \(w\) e \(p\) para as ondas de Airy. Suas condições de contorno são as seguintes. Da hipótese (1) vem que:.
\[ w=\frac{\partial\eta}{\partial t} \quad \text{em}\quad z=0 \]
Da hipótese (7) resulta:
\[ w=0 \quad \text{em}\quad z=h \]
E, das hipóteses (1) e (8) tem-se:
\[ p=p_a \quad \text{em}\quad z=0 \]
onde \(p_a\) é a pressão atmosférica.
A superfície livre é definida por \(z=\eta\); entretanto, devido à hipótese (1), as condições de contorno (7) e (9) são aplicadas em \(z=0\).
As equações (4), (5) e (6), sujeitas às condições de contorno (7), (8) e (9), definem um problema linear de modo que uma onda harmônica simples é uma solução possível. Assim, a superfície é assumida na forma:
\[\eta=A\cdot\cos\left(k x-\sigma t\right) \]
então
\[ u = A \cdot \sigma \frac{\cosh\left( k(h-z) \right)}{\mathrm{senh}(k h)} \cos\left( k x-\sigma t \right) \]
\[ w = A \cdot \sigma \frac{\mathrm{senh}\left(k(h-z)\right)}{\mathrm{senh}(k h)} \mathrm{sen}(k x-\sigma t)\]
e
\[ p = p_a-\rho g z + \rho g A\frac{\cosh\left(k(h-z)\right)}{\cosh(k h)} \cos(k A - \sigma t) \]
e também
\[ \sigma^2 = g k \cdot \tanh(k h) \]
onde \(g\) é a aceleração da gravidade.
Como a velocidade de fase é definida como \(c=\sigma/k=L/T\), resulta:
\[ c^2=\frac{g}{k}\tanh(k h) \]
A função \(\tanh\) é definida como:
\[ \tanh(\alpha) = \frac{\mathrm{e}^{\alpha} - \mathrm{e}^{-\alpha}}{\mathrm{e}^{\alpha} + \mathrm{e}^{-\alpha}} \]
Quando \(\alpha\to\infty \Rightarrow \alpha\to 1 \) e quando \(\alpha\to 0 \Rightarrow \alpha \simeq \alpha\). Portanto, em águas profundas (\(h/L>0,5\)), (15) torna-se:
\[ c= \sqrt{\frac{g}{k}} = \sqrt{\frac{g L}{2\pi}} \]
E, em águas rasas (\(h/L < 1/20\)), \(c\) passa a ser:
\[ c = \sqrt{g h} \]
As equações (11) e (12) definem o movimento orbital das partículas individuais de água. Em locais profundos, as partículas se movem em órbitas circulares fechadas, cujo raio (\(A \exp(- k z)\)) diminui exponencialmente com a distância abaixo da superfície; a Figura 4 mostra as órbitas das partículas. as velocidades orbitais instantâneas e as linhas de corrente (tracejadas) numa onda que se propaga em águas profundas; abaixo da profundidade igual à metade do comprimento de onda (\(z=L/2\)) o movimento orbital das partículas é desprezível. Em locais rasos, as trajetórias das partículas são elipses achatadas, cujo eixo horizontal é (\(A L/\pi h\)) e o eixo vertical é (\(2A(h-z)/h\)), como mostrado na Figura 5.
Figura 4: ilustração qualitativa das órbitas das partículas. as velocidades orbitais instantâneas e as linhas de corrente (tracejadas) numa onda que se propaga em águas profundas.
Figura 5: análogo à Figura 4, mas para ondas de águas rasas.
é interessante notar que, em águas rasas, a velocidade de fase \(c\) varia com a profundidade \(h\), e portanto o comprimento de onda também varia com a profundidade (\( L = T\sqrt{g h}\)), mantendo o período constante. Dessa forma, pode ser violada a hipótese inicial de forma permanente; portanto, estritamente falando, as equações (11), (12) e (13) não podem ser aplicadas em águas rasas de profundidade variável; entretanto, (18) independe da forma da onda e pode ser usada para ondas se movendo nestes locais. Deve-se notar que essas quatro equações são válidas em regiões rasas. mas de profundidade constante.
6. Fenômenos associados à propagação das ondas na superfície do mar
- Dispersão: normalmente, num local do oceano são gerados trens de ondas com város comprimentos de onda. No oceano profundo, as mais longas se propagam mais rapidamente que as outras e, assim, o trem de ondas se dipersa. Portanto, as águas profundas são um meio dispersivo para as ondas de gravidade, pois a velocidade de fase é função do comprimento de onda (equação 17): \[ c=\sqrt{\frac{g L}{2\pi}} \]
- Interferência: se dois trens de onda de mesma amplitude, mas comprimento de onda e períodos ligeiramente diferentes progridem na mesma direção, o distúrbio na superfície pode ser representado pela soma dos dois distúrbios individuais:
\begin{eqnarray}
\eta &= \eta_1+\eta_2=A\cdot\cos\left(k x-\sigma t\right)+A\cdot\cos\left[(k+\Delta k)x-(\sigma+\Delta\sigma)t\right] \\
\eta &= 2A\cdot\cos\left\{\frac{1}{2}\left[(2 k+\Delta k)x-(2\sigma+\Delta\sigma)t\right]\right\}\cos\left[\frac{1}{2}(\Delta k x - \Delta\sigma t)\right]\\
\eta &\simeq 2 A \cdot\cos(k x - \sigma t)\cos\left[ \frac{1}{2}(\Delta k x - \Delta \sigma t) \right]
\end{eqnarray}
Este distúrbio aparece como uma série de sucessivos grupos de ondas nos quais a amplitude varia de zero a \(2A\), sendo o termo \( \cos\left[ \frac{1}{2}(\Delta k x - \Delta \sigma t) \right] \), em (22) chamado “modulação” (Figura 6).
Figura 6
- Velocidade de grupo de ondas de gravidade em águas profundas: como \( c=\frac{\sigma}{k} \), considerando-se (17), tem-se:
\[ \sigma=k\sqrt{g/k} = \sqrt{g k} \]
A velocidade de grupo é dada por:
\[ c_g = \frac{\mathrm{d}\sigma}{\mathrm{d}k}=\frac{1}{2} (g k)^{-\frac{1}{2}} g = \frac{g}{2} \frac{\sqrt{g k}}{g k} = \frac{\sqrt{g k}}{2 k} \]
\[ c_g = \frac{1}{2}\sqrt{\frac{g}{k}} \]
e, usando (17):
\[ c_g = \frac{c}{2} \]
Isto é, a velocidade de grupo de ondas de gravidade em águas profundas é metade da velocidade de fase; ou seja, a energia dessas ondas se propaga com metade da velocidade delas; onde um trem de ondas de período fixo viaja para fora da área de geração, as ondas dianteiras rapidamente morrem e a frente de onda progride, não com velocidade de fase, mas com a velocidade de grupo. Note-se que, em águas rasas, velocidade de fase e velocidade de grupo são iguais a \( \sqrt{g h} \).
- Reflexão das ondas: Obstáculos na água, tais como diques e ilhas, podem parcialmente refletir as ondas que se movem ao seu encontro.
- Refração das ondas. a velocidade de fase em águas rasas normalmente varia com
a profundidade, segundo a relação \( c= \sqrt{g h} \) (equação 18). Por isso, as ondas em águas rasas sofrem refração na direção das regiões mais rasas. Em consequência, numa praia reta e longa, com inclinação do fundo uniforme, todas as ondas tendem a se propagar perpendicularmente à linha da costa (Figura 7).
Em zonas costeiras com grande variação da profundidade, se houver um vale submarino, ocorre divergência das ondas de superfície; e se houver uma elevação submarina, há convergência das ondas de superfície (Figura 8).
Quando um trem de ondas misto progride numa região de profundidade decrescente, as ondas mais longas são as primeiras a “sentirem o fundo”; a energia das ondas é dissipada pela fricção no fundo, que é mais efetiva nas ondas longas. Finalmente, é interessante notar que sequências de fotografias aéreas permitem estimar a profundidade em regiões costeiras , através da evolução das ondas de superfície .
Figura 7: esquema da refração de ondas aproximando-se da costa em uma praia reta com inclinação uniforme.
Figura 8: convergência de ondas ao passar sobre uma elevação submarina (A) e divergência de ondas em um vale submarino (B).
- Difração das ondas: quando as ondas passam através de uma abertura elas sofrem difração para as áreas atrás da abertura. A difração depende do ângulo de incidência das ondas e do tamanho da abertura.
- Relação das ondas com o vento: qualitativamente, ventos fortes produzem ondas altas, que tendem a ser longas; e comprimentos de ondas grandes são associados com períodos grandes.
Dada a variabilidade das ondas no mar, surge a questão de como quantificar uma onda de projeto para a análise de intervenções na região costeira. Tal questão é usualmente abordada de forma estatística. Uma primeira abordagem consiste na análise estatística de dados de ondas observadas em determinado local. Por exemplo, um registro adequado das alturas permite a elaboração de sua análise estatística, através da determinação da função de densidade de probabilidade desta varíável. Assim, por exemplo, pode-se definir um valor da altura que é superada somente em determinada fração do tempo. Em particular, é comum referir-se à altura de onda significativa, que é definida como sendo o valor médio do terço superior das ondas mais altas. Pode-se provar que, valendo certas hipóteses, a probabilidade de ocorrência de ondas com alturas maiores do que a altura significativa é igual a 13,5 %. Uma análise análoga pode ser efetuada para o período das ondas registradas, podendo-se inclusive analisar estatisticamente de forma conjunta a altura e o período das ondas.
Na ausência de dados de ondas, pode-se adotar uma abordagem empírica, que relaciona a altura da onda significativa com a velocidade média do vento, sua duração e a pista (distância sobre a qual o vento sopra). Embora existam relações empíricas claras entre estas variáveis, deve-se enfatizar que cada região marítima apresenta uma variabilidade estatística considerável dos fenômenos ondulatórios, limitando a confiabilidade desta abordagem.
Como exemplo de uma solução empírica, na Figura 9 se tem um diagrama referente ao Mar do Norte, no qual se calculam as alturas significativas das ondas (em m), partindo dos valores da velocidade do vento (em mls), movendo para os valores da pista (fetch) (pelas linhas horizontais, com valores em km) ou duração (pelas
linhas tracejadas, com valores em horas) e chegando, através das linhas cheias,
para os valores de alturas das ondas.
Outra forma de se abordar este problema é através do denominado espectro de
energia das ondas, o qual consiste em uma função que relaciona o quadrado da altura da onda que se propaga em uma dada direção (proporcional à energia da onda) com a freqüência (ou período) desta onda. Assim, o espectro mostra a distribuição de energia em função do período das ondas, para uma dada direção de propagação. Caso sejam consideradas todas as direções possíveis de propagação, tem-se, então, o espectro direcional de energia. O espectro de energia pode ser obtido através de medições diretas das ondas, ou então estimado para o caso em que estes dados não são disponíveis.
Figura 9: como exemplo de uma solução empírica, nesta figura, são calculadas as alturas significativas das ondas (em metros), partindo dos valores da velocidade do vento (em m/s), movendo-se para os valores do fetch (pelas linhas horizontais, com valores em km) ou duração (pelas linhas tracejadas, com valores em horas) e chegando, através das linhas cheias, para os valores de alturas das ondas.
- Crescimento das ondas geradas pelo vento: A região em que as ondas são geradas pelo vento são chamadas de pistas de onda (fetch) . Para ocorrer um acréscimo de energia no grupo de ondas presente na pista , algumas especificações devem ocorrer: a região de formação deve possuir ventos fortes e permanentes, de mesma direção, e a pista deve ser relativamente grande (da ordem de centenas de quilômetros). Os primeiros cálculos de ondas geradas pelo vento foram realizados no projeto JONSWAP (Joint North Sea Wave Project, Hasselmann et aI., 1973), em que, baseado em dados observacionais, foram desenvolvidas as seguintes relações empíricas:
\[ \frac{g\cdot H_s}{U_{10}^2} = 1,6 \times 10^{-3} \left( \frac{g\cdot F}{U_{10}^2} \right)^{\frac{1}{2}} \]
\[ \frac{g\cdot T}{U_{10}^2} = 2,857 \times 10^{-1} \left( \frac{g\cdot F}{U_{10}^2} \right)^{\frac{1}{3}} \] onde \( g \) é a aceleração da gravidade, \(F\) a pista, \(U_10\) o vento em superfície (a 10 m de altura) e \( T \) o período de onda.
De acordo com estas equações, o aumento da intensidade do vento e da pista produz maiores alturas de onda, mas existe um limite para o crescimento; este limite ocorre quando a velocidade de fase da onda atinge a velocidade do vento em superfície. Quando ambos propagam-se com a mesma velocidade, o vento não transfere mais energia para o oceano, atingindo o estágio de maturação (ou desenvolvimento total). Observações comprovam a existência desse limite (Pierson & Moskowitz), em que:
\[ \frac{g\cdot H_s}{U_{10}^2} = 2,433 \times 10^{-1} \]
\[ \frac{g\cdot T}{U_{10}} = 8,134 \]
Essas relações limitantes podem ser observadas na Figura 10, aparecendo na região plana de estabilização, na evolução de altura significativa (em metros) em função da pista de geração (em km): dado um valor de vento, mesmo que a pista aumente, a altura significativa da onda (e o período) não ultrapassa o valor limite.
A partir do limite em que as ondas não podem mais receber energia dos ventos, estas tendem a se propagar para fora da região de geração, formando o marulho (swell). Conforme se propagam, as ondas de diversas velocidades e freqüências separam-se umas das outras (dispersão). Após percorrer vários quilômetros, agrupam-se então os conjuntos de ondas com parãmetros relativamente semelhantes , chamados de grupos de ondas (wave groups, Kinsman, 1965). Na natureza apenas as ondas com maior amplitude e período se organizam dessa maneira; note-se que, na natureza, são raros os casos em que só exista marulho (swell) ou apenas ondas de vento (vagas).
Há diversas formulações para a altura significativa das ondas em estágio de maturação ou desenvolvimento total (quando a velocidade de fase das ondas atinge a velocidade do vento em superfície), desde o trabalho de Sverdrup & Munk (1947). Conforme o modelo WAM (Hasselmann et aI., 1998), a relação vento-onda para mares desenvolvidos é:
\begin{aligned}
H_s &= 1.614 \times 10^{-2} \cdot U_{10}^2 \quad (0 \leq U_{10} \leq 7,5 \text{m/s}) \\
H_s &= 10^{-2} \cdot U_{10}^2 + 8,134\times 10^{-4} \cdot U_{10}^3 \quad (7,5 \text{m/s} \leq U_{10} \leq 50 \text{m/s})
\end{aligned}
em que \(H_s\) é a altura significativa e \( U_{10} \) a velocidade do vento em superfície (10 m).
Figura 10: desenvolvimento da altura significativa \(H_s\) (m), em função da extensão da pista (km), para velocidades do vento de 5, 10, 15, 20 e 25 m/s.
- Quebra de ondas: em ondas de pequna “esbeltez”, a velocidade das partículas é pequena (comparada com a velocidade de fase das ondas). O aumento de “esbeltez” provoca um aumento de velocidade das partículas. Se a velocidade das partículas se tornar maior que a velocidade de fase das ondas, então as ondas ficam instáveis e quebram. Observações no mar tem demonstrado que o mínimo ângulo \(\theta\) numa crista de onda estável é 120° (Figura 11). O máximo valor da “esbeltez”, para ondas estáveis em águas profundas é \(H/L = 1/7\).
No oceano, à medida que as ondas caminham em direção à costa, sua amplitude vai aumentando gradativamente, em função do aumento da densidade espacial de energia, fenômeno este causado principalmente pela diminuição de profundidade. Para a profundidade tendendo a zero, as amplitudes das ondas tenderiam para um valor infinito, fato este não observado na prática. Na realidade, em locais rasos, as ondas ficam instáveis e arrebentam, dissipando sua energia de forma mais intensa, até desaparecerem. O fenômeno da arrebentação de ondas é de grande importância para a estabilidade de praias e de estruturas costeiras. A sua modelagem matemática, no entanto, é assunto ainda aberto à discussão, existindo várias equações empíricas propostas para tentar representar este efeito . Além das relações acima citadas , outra formulação propõe que as ondas arrebentam quando sua altura é igual a 78% da profundidade.
Figura 11
- Energia das ondas: as ondas possuem energia cinética e potencial. De fato, são as conversões sucessivas de energia potencial em cinética e cinética em potencial (das partículas) que mantém as oscilações.
Num local com profundidade sem distúrbio \(h\), elevação \(\eta\), densidade uniforme \(\rho\) e sendo \(y\) a direção normal à direção de propagação \(x\), a energia potencial é dada por:
\[ \mathrm{d}E_p = \rho g z\, \mathrm{d}x\, \mathrm{d}y\, \mathrm{d}z \]
Na coluna, a energia potencial é:
\[ \mathrm{d}E_p = \int\limits_0^{h+\eta} \! \rho g z\, \mathrm{d}x\, \mathrm{d}y\, \mathrm{d}z = \rho g\left.\frac{z^2}{2}\right|_0^{h+\eta} \mathrm{d}x\, \mathrm{d}y \]
\[ \mathrm{d}E_p = \rho g \frac{(h+\eta)^2}{2} \mathrm{d}x\, \mathrm{d}y \]
Para um comprimento de onda completo \(L\), e, considerando uma largura \(\mathrm{d}y\) unitária:
\[ E_p = \frac{1}{2}\rho g\int\limits_0^L\!(h+\eta)^2\,\mathrm{d}x \]
Desenvolvendo a integral
\[ E_p = \frac{1}{2} \rho g \int\limits_0^L\! \eta\, \mathrm{d}x+\rho g h\int\limits_0^L\!\eta \mathrm{d}x+\frac{1}{2}\rho g h^2 L \]
O último termo representa a energia potencial sem distúrbios e o segundo termo é nulo. Portanto, a energia potencial por unidade de área é representada por
\[ E_p = \frac{1}{2 L}\rho g \int\limits_0^L\!\eta^2\,\mathrm{d}x \]
Para uma onda senoidal, \(\eta=A\cdot\cos(kx)\), isto torna-se:
\[ E_p = \frac{1}{4}\rho g A^2 \]
A energia cinética é dada por:
\[ \mathrm{d}E_k = \frac{1}{2}\rho\left(u^2+w^2\right)\, \mathrm{d}x\, \mathrm{d}y\, \mathrm{d}z \]
A energia cinética média num comprimento de onda, numa largura unitária, por undade de área é dada por:
\[ E_k = \frac{\rho}{2 L}\int\limits_0^h\!\int\limits_h^{\eta} \! \left(u^2+w^2\right)\, \mathrm{d}x\, \mathrm{d}z \]
Aproximando a integral \(\int\limits_h^{\eta}\) de (35) para \(\int\limits_h^0\), e usando (11) e (12), resulta:
\[ E_k = \frac{1}{4}\rho g A^2 \]
E a energia total por unidade de área é:
\[ E = E_p + E_k = \frac{1}{2}\rho g A^2 \]
A potência por unidade de largura numa frente de onda é dada por
\[ P=E c_g \]
onde \(c_g\) é a velocidade de grupo. Em águas rasas,
\[ P=\frac{1}{2}\rho g A^2\sqrt{g h} \]
Pela continuidade de transmissão de energia, a amplitude \(A\) aumenta com a diminuição de \(h\), de modo que o produto \(A^2\sqrt{h}\) permanece constante. Isto explica o aumento da amplitude das ondas ao se aproximarem da linha de costa. Em regiões costeiras com grande variação da profundidade \(h\), por refração, as ondas tendem a se propagar para as partes de menor profundidade, pois \(c=\sqrt{g h}\). Ao manter o produto \(A^2\sqrt{}h\) constante, se observam os maiores aumentos da amplitude \(A\) nos locais de menor profundidade \(h\); e quanto maior a ampitude \(A\), maior é a energia \(E\) das ondas (equação 42). Dessa forma, se observa uma concentração de energia das ondas em regiões costeiras rasas.
- Ondas estacionárias. A existência de um trem de ondas senoidal, \( \eta_1 = A\cdot\cos(k x-\sigma t) \), com a adição de outro trem com a mesma amplitude, número de onda e frequência, mas progredindo no sentido oposto, \( \eta_2 = A\cdot\cos(k x+\sigma t) \), é representada por:
\[ \eta = \eta_1+\eta_2 = 2A\cdot\cos(k x)\cos(\sigma t) \]
Esta é chamada “onda estacionária”. A elevação da superfície varia com uma frequência \(\sigma\), mas a amplitude da onda varia horizontalmente desde zero (nos pontos \(k x = \pi/2, 3\pi/2, \ldots\)) até \(2A\) (em \(k x = 0, \pi, 2\pi,3\pi,\ldots\)). Posições em que as variações da elevação são zero ou mínimas são chamadas “nodos” e posições com máxima variação da elevação são chamados “anti-nodos”. O movimento das partículas é tal que nos anti-nodos ele é exclusivamente vertical e nos nodos inteiramente horizontal, num vai-vem (Figura 12).
Quando ondas progressivas incidem numa fronteira vertical, elas são refletidas; numa reflexão perfeita, a interferência mútua das ondas incidentes e refletidas provoca uma onda estacionária com um anti-nodo na fronteira. Para uma reflexão perfeita, o resultado pode ser uma onda estacionária com uma onda progressiva sobreposta.
Numa bacia real, a geometria e a topografia do fundo influem na frequência e no número de nodos das ondas estacionárias; nas bacias, o movimento de onda estacionária é chamado “seiche”, sendo influenciado pelos modos naturais de oscilasção das bacias.
Ondas internas
As ondas acima discutidas são as que se manifestam como uma oscilação da interface ar-mar. Oscilações similares são possíveis na interface de dois fluidos de densidades diferentes. A energia envolvida nas oscilações depende da razão \[ \frac{\text{diferença de densidades}}{\text{densidade}} \]
Quando a diferença de densidade é uma pequena fração da densidade, ondas de grande amplitude podem se propagar com pequena energia. No oceano real, observações tem demonstrado que variações de temperatura em profundidade podem ser associadas a ondas intemas, notáveis principalmente nas variações espaciais e temporais das profundidades das isotermas (Figura 13).
Figura 13: exemplo de uma série de ondas internas observadas em San Diego, Califórnia. São mostradas superfícies isotermas (em °F).