Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

Aqui estão algumas das coisas que eu aprendi, descobri ou fiz (por obrigação ou por diversão). Espero que encontre algo que seja útil para você.

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Capítulo 12 - Interação da atmosfera com o oceano

Material escrito pelo Prof. Dr. Joseph Harari e disponibilizado impresso durante aulas da disciplina IOF 1202 - Oceanografia Física Descritiva, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo no ano de 2007.

A energia radiacional

O Sol, o ar, o mar e as terras formam um sistema cujo funcionamento pode ser estudado visando compreender o comportamento de cada um separadamente e suas interações.

Uma quantidade de energia radiante é recebida pela Terra, no topo da atmosfera, da ordem de 1366 W/m² (constante solar). Se a energia radiante não viesse do Sol para a Terra, então a Terra iria esfriar até uma temperatura próxima do zero absoluto, os oceanos congelariam, o ar se liquefaria e todos os movimentos cessariam. A quantidade de radiação recebida causa os ventos, as nuvens, as chuvas, a evaporação e a circulação oceânica, numa série de eventos que finalmente provoca o retomo dessas 1366 W/m² para o espaço. O máximo do espectro de radiação que vem do Sol se encontra em comprimentos de onda visíveis (ao olho humano). O máximo de radiação emitida pelo ar, mar e terra é na parte de radiação infravermelha, sendo invisível ao olho humano.

O total de radiação que atinge a Terra vindo do Sol está em balanço com o total de radiação emitido pela Terra para o espaço . Essas duas quantidades devem ser aproximadamente iguais. Se não fosse assim, a Terra como um todo poderia esquentar ou esfriar indefinidamente.

Quando a luz do Sol atinge o topo da atmosfera, parte é refJetida de volta para o espaço; uma parte aquece o ar diretamente, que assim a absorve e emite ; e uma boa porção atinge a superfície, sendo ali absorvida pelos mares e pelas terras (após reflexão). Esses, por sua vez, ao se aquecerem, irradiam, em comprimentos de onda do infravermelho. Um resultado é que o ar imediatamente acima da superfície é aquecido por esta radiação infravermelha e, por sua vez , irradia de volta para a superfície e para o espaço (Figura 1).

[Fig. 1]
Figura 1: Distribuição percentual da radiação solar incidente na Terra.

Entretanto, a luz solar não cai igualmente em todas as partes da Terra, pois a Terra é uma esfera e seu eixo de rotação é inclinado em relação ao plano da trajetória da Terra ao redor do Sol. No Equador, há maior absorção de radiação solar devido à incidência quase perpendicular dos raios solares, o que não ocorre nas latitudes mais altas.

Por isso, a quantidade de radiação solar de ondas curtas que é absorvida na região equatorial excede a quantidade de radiação infravermelha de onda longa que retoma ao espaço, considerando uma média anual num cinturão de latitude . Ao mesmo tempo, a quantidade de radiação solar absorvida nas regiões polares é menor que a quantidade de radiação infravermelha que volta ao espaço, considerando uma média anual (Fig. 2). É aqui que o ar e o mar entram em ação

[Fig. 2]
Figura 2: Média da radiação de onda curta (círculos) e longa (x) por faixa de latitude.

Os ventos e o vapor d'água da atmosfera e as correntes do mar transportam seu calor do Equador para os polos (Figura 3). Os trópicos, sendo esfriados por esse processo, irradiam menos radiação infravermelha do que poderiam, caso esses processos de transporte não ocorressem; e os polos irradiam mais. Assim, o clima da Terra é fortemente influenciado pelas vastas áreas oceânicas, pelas correntes marítimas e pelos ventos.

[Fig. 3]
Figura 3: Transporte de calor em direção aos polos.

Dentro do balanço de radiação, há também o balanço da água. A luz do Sol, atingindo o oceano, evapora a água do mar, fornecendo vapor d'água para o ar. Este vapor d'água, com seu calor latente armazenado, é transportado para lugares frequentemente distantes do local onde foi originariamente evaporado, para formar as nuvens e a chuva e a neve, que caem de volta para as terras e os oceanos. A energia usada para evaporar a água não reaparece como calor até que o vapor d'água se condensa para formar nuvens, chuva e neve.

Até aqui foi visto que o elemento de ligação entre o Sol, o ar, os oceanos e as terras é a radiação. A seguir, será estudada especificamente a interação da atmosfera com o oceano.

A interação ar-mar

A atmosfera:

  1. É o meio da passagem da radiação solar que atinge os mares; o ar acima da superfície dos mares também emite radiação para os oceanos. Isto influencia os oceanos no tocante à temperatura e à salinidade (e densidade), e também quanto à evaporação (e outra vez quanto à densidade). Por sua vez, variações de densidade influem nas circulações termohalinas. O ar acima da superfície recebe radiação de onda longa emitida pelos oceanos, se aquece e emite.
  2. A precipitação nos mares influi na salinidade (e densidade) da superfície, também afetando as circulações termohalinas.
  3. O congelamento de águas na superfície do mar é outro fator da circulação termohalina, pois aumenta a densidade das águas de superfície.
  4. Os ventos na superfície do mar atuam no oceano através da fricção na superfície, provocando nela distúrbios, sob forma de ondas e correntes.
  5. Variações espaciaisda pressão atmosférica na superfície geram movimentos no mar.
  6. Ventos transportam calor dos trópicos para as altas latitudes e os polos.

O oceano:

  1. Emite radiação para a atmosfera, afetando a temperatura na superfície.
  2. É um reservatório de calor pI a atmosfera,devido ao elevado calor específico da água.
  3. É uma fonte de umidade para a atmosfera, através da evaporação.
  4. Constitui um elemento de transporte de calor, das regiões tropicais para as altas latitudes e os polos, através das correntes marítimas.

Estes são os aspectos mais gerais e mais importantes da interação ar-mar. Existem outros, que são derivados destes. Por exemplo, a cobertura e o tipo de nuvens podem afetar a quantidade de radiação solar que atinge a superfície do mar.

Correntes geradas pelo vento

A Fig. 4 mostra como uma parcela de água P na superfície sofre a ação do vento, o qual causa um cisalhamento friccionai Ft, de modo que a parcela começa a se mover na direção do vento. Imediatamente, a força de Coriolis Fc age em ângulo reto com a direção de movimento (à direita no Hem. Norte e à esquerda no Hem. Sul); resulta então um fluxo Vo, o qual ainda sofre a ação de uma força de cisalhamento (friccionai) Fb com a camada imediatamente abaixo (no sentido oposto a Vo).

[Fig. 4]
Figura 4: Correntes forçadas pelo vento: (a) forças e movimento de uma parcela superficial; (b) visão superior das forças e movimento; (c) velocidade da água em função da profundidade; (d) espiral de Ekman.

A formulação mais simples para representar as correntes geradas pelo vento considera o equilíbrio entre a aceleração de Coriolis e as acelerações friccionais. Esta formulação foi proposta originalmente por Ekman (1902).

Considere-se um sistema de coordenadas com origem na superfície do mar, sendo o eixo x para Leste, o eixo y para Norte e o eixo z verticalmente para baixo (Fig. 5). Considere-se também um vento na superfície com intensidade W, de modo que a tensão de cisalhamento do vento τ seja nesta direção.

[Fig. 5]
Figura 5

Assumindo um oceano homogêneo (ρ constante), ilimitado (horizontalmente), sem acelerações de pressão e um estado estacionário, as componentes u e v de velocidade segundo os eixos x e y são obtidas através de

\[ -f v = +\frac{1}{\rho}\frac{\partial}{\partial z}\Bigg( A_z \frac{\partial u}{\partial z} \Bigg) \] \[ f u = +\frac{1}{\rho}\frac{\partial}{\partial z}\Bigg( A_z \frac{\partial v}{\partial z} \Bigg) \]

onde f é o parâmetro de Coriolis, ρ é a densidade da água e Az é o coeficiente de viscosidade turbulenta vertical. Sendo \phi; a latitude de um ponto da Terra, o parâmetro de Coriolis f é dado por

\[ f = 2\Omega \sin(\phi) \]

onde Ω é a velocidade angular da Terra. Sendo Az constante, tem-se:

\[ \rho \,f\,v +A_z\frac{\partial^2 u}{\partial z^2} = 0 \] \[ -\rho \,f\,u +A_z\frac{\partial^2 v}{\partial z^2} = 0 \]

Este sistema é sujeito a condições de contorno na superfície referentes às componentes da tensão de cisalhamento do vento segundo as direções x e y

\[ \tau_x \Bigg|_{z=0} = -A_z\frac{d u}{d z}\Bigg|_{z=0} \] \[ \tau_y \Bigg|_{z=0} = -A_z\frac{d v}{d z}\Bigg|_{z=0} \]

O sistema de equações (4) e (5), sujeito às condições de contorno (6) e (7), aplicado no oceano muito profundo (onde u e v são nulos próximo ao fundo), tem as soluções (para o hemisfério Norte):

\[ V_0 = \frac{\tau}{\sqrt{\rho\,f\,A_z}} \] \[ D=\pi\sqrt{\frac{2A_z}{\rho\, f}} \] \[ V(z) = V_0\exp\Bigg(-\frac{\pi z}{D}\Bigg) \] \[ \alpha(z) = \frac{\pi}{4} + \frac{\pi\,z}{D} \]

V0 representa a magnitude da velocidade da água na superfície (z=O). Esta velocidade tem direção de 45° à direita da direção do vento (considerando f positivo, ou seja, o hemisfério Norte). D é a profundidade de atuação das correntes geradas pelo vento. Para o hemisfério Sul, as expressões finais são as mesmas, apenas considerando f como o módulo do parâmetro de Coriolis em (8) e (9).

A intensidade da velocidade ao longo da vertical V(z) cai exponencialmente com a profundidade z segundo a expressão (10), sendo que para z=O ela vale V0/23; portanto, na profundidade O, a velocidade é tão pequena que pode ser desprezada, se comparada à velocidade na superfície; dessa forma, D é uma medida da profundidade de penetração das “correntes de deriva pura”. Ekman denota O como a “profundidade friccionai”; vários autores a denotam como “profundidade da camada de Ekman”.

O ângulo α(z) do vetor velocidade com o vento varia linearmente com a profundidade z, como expresso em radianos na equação (11); desse modo, a velocidade é perpendicular ao vento para z=D/4, oposta ao vento em z=3D/4 e é oposta à velocidade da superfície em z=O. A estrutura vertical das correntes de deriva pura é representada na Figura 4, sendo chamada “Espiral de Ekman”. No hemisfério Norte a deflexão das correntes na Espiral de Ekman é para a direita , e no hemisfério Sul para a esquerda.

Com as expressões acima, se calcula que, para um vento de 10 m/s, nas latitudes de 10°, 45° e 80°, resultam valores de D iguais a 100, 50 e 45 m.

Pode-se demonstrar que o transporte de massa resultante Tm. na camada de Ekman, é em ângulo reto com o vento (para a direita no Hemisfério Norte e para a esquerda no Hemisfério Sul); este transporte é representado pelo grande vetor da Figura 4 e tem a expressão (em kg/m/s):

\[ T_m = \frac{\tau}{f} \]

As hipóteses de Az constante na vertical e de profundidade ilimitada do oceano não podem ser aceitas facilmente. Ekman examinou o caso de “águas rasas”, assumindo velocidade nula no fundo. A análise demonstrou que a deflexão da corrente de superfície em relação ao vento é menor que 45°, e também a rotação das correntes em profundidade é menor. Rossby (1932) e Rossby & Montgomery (1935) desenvolveram soluções considerando Az variável com a profundidade. E, finalmente, Sverdrup et ai (1942) ressaltam que, ao considerar variações da densidade com a profundidade devem também ser consideradas variações de Az na vertical.

Normalmente, as componentes da tensão de cisalhamento do vento são relacionadas com a intensidade W do vento através de

\[ \tau_x\Bigg|_{z=0} = C_D \, \rho_{\text{ar}}\,W\,W_x \] \[ \tau_y\Bigg|_{z=0} = C_D \, \rho_{\text{ar}}\,W\,W_y \]

onde CD é o “coeficiente de arrasto” (CD = 2,6 × 10-3). ρar é a densidade do ar (ρar = 1,250 kg/m³) e Wx, Wy são as componentes do vento segundo as direções x e y.

Continuação em breve.

Complementação

A Teoria das correntes de deriva pura desenvolvida por Ekman assume ausência de contornos no oceano e de gradientes de pressão. No oceano real, o transporte realizado pelas correntes de deriva pode empilhar água próximo ao continente e então provocar acelerações do gradiente de pressão; eventualmente, isto pode gerar o fenômeno da ressurgência em águas costeiras , o qual tem importantes implicações de ordem biológica (Figura 6).

[Fig. 6]
Figura 6

Com acelerações do gradiente de pressão, muitas vezes os fluxos tendem a adquirir características de fluxo geostrófico.

Finalmente, investigações sobre as correntes geradas pelo vento demonstram que o tempo de resposta do oceano real ao vento é relativamente longo, de modo que deve decorrer um certo tempo com condições estacionárias até que as expressões (8) a (11) possam ser inteiramente aplicadas.

Em geral, as intensidades das correntes de deriva na superfície são da ordem de 1 a 3% da intensidade do vento, dependendo da latitude.

Variações espaciais do transporte de Ekman, devidas a variabilidades dos ventos em distâncias de centenas de km e dias, produzem convergência e divergência do transporte, e consequentemente correntes verticais.