Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

Aqui estão algumas das coisas que eu aprendi, descobri ou fiz (por obrigação ou por diversão). Espero que encontre algo que seja útil para você.

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Relatório do Trabalho de Campo: Pesca em Ubatuba

Relatório elaborado pelos alunos Alexandre De Caroli, Carine de Godoi Rezende Costa, Carla Nishizaki, César Barbedo Rocha e Danilo Rodrigues Vieira em 2009 como parte da disciplina IOB 1118 - Biologia Pesqueira, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

[capa do relatório]

1 Introdução

1.1 Antecedentes sobre a pesca em Ubatuba

“Porque se eu fosse estudar, não ia comer.”
Dirceu, pescador no Píer do Saco da Ribeira

Segundo Silva (2004), de um modo geral, a história dos grupos de pescadores-agricultores do litoral paulista está ligada à condição marginal da área no contexto da economia colonial entre o século XVI e meados do século XIX. A pobreza e a pouca significação econômica das vilas pouco povoadas do litoral deu ensejo a um movimento colonizador mais consistente para além da Serra do Mar, em direção ao planalto, a partir do século XVII. Não se tratava, porém, de uma região estagnada ou sem chances de se desenvolver economicamente, mas de uma área distante dos centros comerciais metropolitanos, e que não efetuava principalmente uma produção em massa de artigos considerados importantes, segundo os interesses dos colonizadores.

O mesmo autor acrescenta que, nas roças de Ubatuba, na virada do século XVIII, produzia-se mandioca; feijão e arroz. Plantava-se também algum café e cana-de-açúcar para consumo da família, e para as trocas no mercado global. Desde então, estes grupos praticavam a pesca como atividade auxiliar, subordinada à produção agrícola. Como exemplo, a pesca da tainha, que coincidia com o período de menores disponibilidades da produção agrícola. Em agosto, quando as tainhas vinham desovar nos rios de água doce e enseadas de Ubatuba, os campos estavam sendo preparados, ou queimados para as novas sementeiras ou plantações das ramas da mandioca.

No século XIX, desenvolveu-se o ciclo do café no litoral paulista. Ubatuba, até cerca de 1860, foi o grande centro exportador do café por quase 50 anos, superando, inclusive, o porto de Santos. Essa dinâmica econômica praticamente desaparece nos anos seguintes, em função do esgotamento dos solos e consequente necessidade de deslocar os cultivos para oeste. Os produtores locais então voltaram à pequena produção destinada aos mercados locais ou meramente para a própria subsistência. Dentre esta pequena produção, encontra-se a pesca, que já possuía alguma tradição no local (SILVA, 2004).

Desse modo, o caiçara, não era propriamente um pescador, e sim um “pescador-agricultor”; ele não saía ao mar frequentemente, mas pescava em estuários, baías, águas interiores e rios. Via de regra, não ia atrás dos cardumes, no mar de fora, mas esperava estes aparecerem na praia, durante a época fria (SILVA, 2004).

Havia diferenças significativas no interior da comunidade, no caso do litoral Norte de São Paulo, a pesca da tainha, por exemplo, era realizada pelos caiçaras com redes que não eram deles. Havia poucas rede, os pescadores pescavam em dias alternados e um terço do total da captura na pesca da tainha cabia ao dono da rede, geralmente um comerciante local (SILVA, 2004).

Esse tipo de relação, em que o pescador não é, necessariamente, dono dos petrechos e embarcações permanece até os dias atuais. Os pescadores têm consciência de que o preço que o empregador lhes paga é baixo em relação ao preço que chega ao consumidor. Entretanto, suportam essa relação pois têm consciência da sua incapacidade de poupar para adquirir equipamento (SILVA, 2004). De acordo com (DIEGUES, 2000), as comunidades caiçaras mantiveram sua forma tradicional de vida até a década de 50, quando as primeiras estradas de rodagem interligaram as áreas litorâneas com o planalto, ocasionando o início do fluxo migratório. Essas comunidades encontram-se ameaçadas em sua sobrevivência física e material por causa de uma série de processos e fatores, que serão explorados na Seção 1.3.

1.2 Situação atual

“Muita embarcação, cada dia mais.”
Juliano, pescador da Ilha dos Pescadores

De acordo com Masumoto (2003), as formas mais simples e bastante disseminadas de pesca no litoral norte são as efetuadas em canoas a remo ou motorizadas e pequenos barcos, que utilizam redes de espera, arrasto ou linhadas. As condições locais requeridas para a instalação de um cerco flutuante, tornaram o litoral norte do estado, com suas inúmeras enseadas profundas e abrigadas, o trecho preferido para a instalação deste petrecho de pesca (tipo armadilha) que não se adapta em praias, somente em costões rochosos.

Os pescadores artesanais que atuam na região costeira ocupada pela Mata Atlântica, os caiçaras, pescam para subsistência e comércio. Algumas comunidades estão mais ligadas à pesca comercial que outras, porém, sua tecnologia ainda é considerada artesanal.Vianna e Valentini (2004) observam que a pescaria é pouco especializada, de baixo investimento e praticada por profissionais de parcos recursos financeiros e culturais. Esse conjunto de fatores confere uma imagem marginal à atividade, prejudicando seu desenvolvimento.

A pesca na região é predominantemente voltada ao arrasto de camarão, como mostra Tiago et al. (1995) e, juntamente com a pesca da sardinha, é uma importante fonte de renda para a população local (DIEGUES; ROSMAN, 1998). Os camaroeiros realizam intensa atividade na área costeira, beneficiando-se da legislação (IBAMA - Portaria No. 054/84 Art. 1º) que limita essa atividade dentro da faixa de 1,5 milhas náuticas, de acordo com a tonelagem das embarcações (até 10TAB - Tonelagem de Arqueação Bruta) (MASUMOTO, 2003). Gallo et al. (2006) diz que, para a pesca do camarão, a legislação brasileira requer o uso do TED (Turtle Excluder Device), dispositivo para liberar tartarugas pegas por redes de arrasto, desde 1997, com exceções para embarcações de até 11m de comprimento e barcos sem mecanização para puxar a rede. Porém, os autores não encontraram embarcações utilizando o dispositivo em Ubatuba, mesmo aquelas com mais de 11m.

Segundo Tiago et al. (1995), a pesca é uma atividade bastante disseminada por todo o litoral do Ubatuba, onde pequenas embarcações e canoas espalham-se pela costa. A atividade concentra-se dentro da enseada de Ubatuba e arredores, até a isóbata de 30 metros, conforme levantamento desse autor. São comuns concentrações de pescadores, ranchos de pesca ou peixarias, nas barras do rios, nas marinas e nas praias. Na cidade, há três pontos principais de desembarque de pescado e sede para as embarcações de pesca: o Rio Grande (na enseada do sítio urbano, onde localiza-se a Ilha dos Pescadores), o Cais do Alemão (no Itaguá) e o Saco da Ribeira, mas grande parte das embarcações encontra-se dispersa pela entrecortada costa do município, com mais de sessenta praias. O levantamento do autor mostra que cerca de 70% das embarcações de Ubatuba apresentam até 9 metros; 80% possuem motorização até 50 HP e são, na quase totalidade, confeccionadas em madeira, dos mais diversos tipos e com casaria situada a ré.

1.3 Problemas da pesca em Ubatuba

“Tão proibindo muito.”
Silvino, pescador no Cais do Alemão

Masumoto (2003) destaca diversos problemas da região, como parelhas de arrasto que invadem a faixa onde são proibidas de atuar, descartando frequentemente grande parte da captura (rejeito), por não representarem valor comercial, sacrificando, assim, grande número de peixes, a maioria juvenis. Há também, a prática do desembarque de pescado em praias, devido à ineficiência de infra-estrutura, e também se evitando o pagamento de impostos e a fiscalização em épocas de defeso.

A autora realça que também devem ser consideradas as crescentes degradações do ambiente marinho pela poluição causada pela falta de saneamento básico, derramamento de petróleo, assoreamento de rios (principalmente da barra do Rio Grande de Ubatuba), entre outros. São fatores que afetam a pesca como um todo, principalmente as de pequeno porte, realizadas mais próximas à costa.

As ações do Estado também têm contribuído para dificultar a sobrevivência das comunidades de pescadores artesanais, como a criação de parques e reservas ecológicas em áreas tradicionalmente ocupadas por essas comunidades, sem qualquer consulta ou participação destas pessoas nestas ações, levando à proibição das atividades pesqueiras e até à expulsão desses pequenos produtores de seus locais de origem, criando sérios problemas àqueles que vivem do uso dos recursos naturais. Ocorre uma migração para as áreas urbanas, onde os caiçaras passaram a viver em favelas, sem emprego ou com subemprego (DIEGUES, 2000; MASUMOTO, 2003).

Há também a ameaça vinda do avanço da especulação imobiliária (DIEGUES, 2000) e expansão urbana desordenada (DIEGUES; ROSMAN, 1998), com a onstrução de residências secundárias ao longo do litoral. A especulação imobiliária privou uma grande parte dos caiçaras de suas posses nas praias, obrigando-os tanto a trabalhar como caseiro, pedreiro, quanto a mudar suas casas para longe de seu lugar de trabalho, dificultando as atividades pesqueiras. Além disso, o turismo de massa, contribui para a desorganização das atividades tradicionais, criando uma nova estação ou safra nos meses do verão quando muitos caiçaras se transformam em prestadores de serviços.

1.4 Motivação

“Quem estuda não sabe o que os pescadores sabem.”
Dirceu, pescador no Píer do Saco da Ribeira

A principal motivação desse estudo é complementar o estudo teórico dos alunos do Bacharelado em Oceanografia. O contato direto com os pescadores, seus conflitos e dificuldades é essencial para o desenvolvimento do senso crítico dos alunos para que estes tenham base para tomarem decisões e elaborarem políticas caso venham a ocupar cargos em orgão ou entidades que atuem na área.

1.5 Objetivo

Realizar uma caracterização da atividade pesqueira no município de Ubatuba (SP), através de entrevistas com os pescadores. Os objetivos secundários compreendem elaboração do perfil sócio-econômico e análise de conflitos. A caracterização inclui a investigação da espécie-alvo, petrechos e arte de pesca utilizados.

2 Metodologia

2.1 Trabalho em campo

No dia 24 de março de 2009, foram realizadas entrevistas com pescadores em três pontos de desembarque pesqueiro na cidade de Ubatuba.

2.1.1 Locais

Os locais visitados foram o Píer Saco da Ribeira, o Cais do Alemão e a Ilha dos Pescadores, sendo realizadas 6, 7 e 3 entrevistas nos respectivos locais. Esses locais estão ilustrados na Figura 3.1.

2.1.2 Entrevista

As entrevistas realizadas continham perguntas de caráter pessoal, a respeito da vida do pescador, e de caráter profissional, obtendo-se informações sobre o tipo e as características da pesca praticada e as principais dificuldades desta. As entrevistas podem ser observadas no Apêndice A.

2.2 Laboratório

Durante o desembarque de uma empresa de pesca no Píer Saco da Ribeira, pode-se obter alguns exemplares de cavalinha. Os peixes foram levados ao laboratório, onde foram medidos o peso, o comprimento total e o comprimento furcal de cada organismo, utilizando-se um ictiômetro e uma balança. Os indivíduos foram separados por classes de comprimento total e furcal.

2.3 Palestra

No dia 25 de março de 2009, realizou-se uma palestra apresentada pelo Sr. Élvio Damásio, gerente de Pesca e Maricultura de Ubatuba, na base Clarimundo de Jesus do IO-USP. O palestrante versou sobre pesca e cultura caiçara de Ubatuba.

3 Resultados

3.1 Trabalho em campo

3.1.1 Locais de desembarque pesqueiro

Os locais visitados estão ilustrados na Figura 3.1 e descritos nas seções a seguir.

[Fig. 3.1: mapa]
Figura 3.1: Mapa dos locais de desembarque pesqueiro visitados

Píer do Saco da Ribeira

O Píer Saco da Ribeira está localizado na Avenida Plínio França, nº. 85, Praia do Lázaro, Bairro do Saco da Ribeira, Município de Ubatuba-SP. Foi instalado no Município de Ubatuba em 1977 pela extinta SUDELPA (Superintendência para o Desenvolvimento do Litoral Paulista), e, hoje, é gerida pela Fundação Florestal, ligada à Secretaria Ambiental do estado de São Paulo.

Os principais objetivos do píer são: prestar apoio às atividades pesqueiras, bem como criar melhores condições de infra-estrutura para embarcações de lazer e turismo da região, executar “projetos de conservação e desenvolvimento ambiental e florestal na região do litoral norte e ilhas adjacentes”.

A área total do empreendimento, compreendendo a porção em terra e as estruturas sobre o oceano, soma 14.215,80m².

[Fig. 3.2: Píer do Saco da Ribeira, Ubatuba, São Paulo]
Figura 3.2: Fotos no Píer do Saco da Ribeira. (a): barco com rede de emalhe; (b): camaroeiros parados devido ao defeso; (c): posto flutuante; (d): embarcação para pesca de cerco.

Cais do Alemão

O Cais do Alemão (também conhecido como Portinho) está localizado na porção sul da enseada de Ubatuba (Figura 3.1). Tem como objetivo prestar serviço à atividades pesqueiras artesanal. Possui um píer principal, com infraestrutura para descarga e armazenamento de pescado, além de um píer secundário, no qual há uma bomba de disel, para o reabastecimento das embarcações.

[Fig. 3.3: Cais do Alemão]
Figura 3.3: Visão geral do Cais do Alemão.

Ilha dos Pescadores

A Ilha dos Pescadores (também conhecida como Barra do Pescadores), está localizada na porção norte da enseada de Ubatuba (Figura 3.1). Trata-se de uma pequena ilha localizada próxima a desembocadura do rio Grande. Constitui no local de saída e chegada da maior parte da frota de pequenos arrasteiros de camarão sete-barbas—as pequenas profundidades da entrada do rio não permite a entrada de barcos maiores. Uma bomba de diesel foi instalada no local, com o objetivo de subsidiar a frota da barra dos pescadores, porém ainda não está em funcionamento devido a problemas ambientais. Muito pescadores moram na própria ilha dos pescadores. Foi observado, no presente trabalho, que há despejo de esgoto in-natura no rio.

[Fig. 3.4: Ilha dos Pescadores]
Figura 3.4: Visão geral da Ilha dos Pescadores.

3.1.2 Entrevistas

Foram realizadas entrevistas com 16 pescadores nos três locais citados, que podem ser encontradas no Apêndice A (não disponível online). Verificamos que os pescadores tiveram dificuldades para responder algumas questões, principalmente relacionadas às características tícnicas da embarcação.

3.1.3 Perfil sócio-econômico

“Tô devendo, mas já melhora.”
“Carioca”, pescador da Ilha dos Pescadores

As entrevistas permitiram, de maneira preliminar, um levantamento do perfil sócio-econômico dos pescadores de três pontos de desembarque pesqueiro de Ubatuba. Parece que há perfis que se agrupam em cada um dos pontos, diferindo bastante dos outros.

No Pier do Saco da Ribeira, entrevistamos 3 pescadores de uma traineira de Santos, 2 de um barco de emalhe e 1 pescador tripulante de um Camaroeiro. Todos são oriundos de Santa Catarina, apenas o cozinheiro do Camaroeiro, que é nativo. A média de idade foi de 42 anos (variando entre 30 e 55), sendo que a média de idade de início na pescaria foi de 17. A atuação nos barcos variou de cozinheiro, geleiro e ajudante de caiaqueiro, à contra-mestre, mestre e proprietário.

No Cais do Alemão obtivemos 3 entrevistas (3 camaroeiros e 3 de emalhe). A média de idade é de 49 anos (pouco maior que o Saco da Ribeira), variando entre 26 e 71. Já a de início na pescaria cai para 12 anos. Todos têm origem em Ubatuba. A atuação nos barcos variou menos, sendo que dos 6 entrevistados, 3 são mestres.

Na Ilha dos Pescadores, assim como no Cais do Alemão, todos os 3 entrevistados (um aposentado) são de Ubatuba. As idades variam entre 26 e 55 e a média é um pouco menor (42). A média de idade no início na pescaria foi de 19 anos. Todos eram mestres, inclusive o pescador aposentado, que foi mestre quando atuava.

3.1.4 Tipo de atividade

“Faço de tudo, depende do barco.”
Adelias, pescador no Cais do Alemão

Foram entrevistados pescadores que ocupam diversos cargos na embarcação, tais como: motoristas, ajudante de convés, cozinheiros, proprietários, encarregados, mestres, geladores e chumbereiros (pescador que puxa o chumbo da rede).

Os salários variam entre 600 e 2000 reais. Em geral, do lucro da produção é retirada as despesas e o que sobra é repartido em 50% para o dono e 50% para a tripulação (entre estes, a divisão depende da função) constituindo o “meeiro”. Não conseguiu estabelecer-se nenhuma correlação entre o cargo exercido e o salário.

3.1.5 Gráficos e tabelas

Tabela 3.1: Local de nascimento dos pescadores

PontoUbatuba (SP)RJSC
Saco da Ribeira24
Cais do Alemão6
Ilha dos Pescadores21

Tabela 3.2: Sugestão de melhorias à pesca

PontoAbaixar o preço do dieselLegislaçãoOutras
Saco da Ribeira223
Cais do Alemão132
Ilha dos Pescadores111

Tabela 3.3: Duração de uma saída para pescar

PontoAté 1 diaDe 1 dia a 1 semanaMais de 1 semanaNão informado
Saco da Ribeira33
Cais do Alemão133
Ilha dos Pescadores111

Tabela 3.4: Potência dos motores (HPs)

Ponto< 50100 a 200> 300Não soube informar
Saco da Ribeira24
Cais do Alemão133
Ilha dos Pescadores21

[Fig. 3.5]
Figura 3.5: Aspectos pessoais dos pescadores.

[Fig. 3.6]
Figura 3.6: Características da pesca nos diferentes locais de desembarque.

3.1.6 Diferenças entre locais

Os três locais de desembarque pesqueiro apresentaram grande divergência em relação ao aspectos sociais, à espécie alvo e principalmente aos tipos de embarcação.

No Saco da Ribeira, as embarcações são maiores, fator evidenciado pela capacidade do porão que em média possui 35t, enquanto que no Cais do Alemão e na Ilha dos Pescadores suportam menos que 10t. Outra evidência de maiores embarcações, estão no tipo das embarcações. As traineiras se encontraram exclusivamente no Saco da Ribeira, enquanto que barcos de emalhe preferencialmente no Cais do Alemão, com algumas no Saco da Ribeira. Camaroeiros foram encontrados nos três pontos. O Saco da Ribeira foi o que apresentou maior variedade do tipo de embarcação, enquanto que a Ilha dos Pescadores, a menor.

Seguindo a heterogeneirade no tipo de embarcações, o Saco da Ribeira apresentou, obviamente, grande variedade na espécie alvo. O Cais do Alemão e a Ilha dos Pescadores possuem pesca mais específica, principalmente camarão, sendo que o primeiro também apresenta peixes demersais como alvo.

3.1.7 Peculiaridades dos depoimentos

“Parece que o peixe está viajando.”
Carlos Antônio, pescador no Píer do Saco da Ribeira

3.2 Laboratório

Os dados obtidos de peso, comprimento furcal e comprimento total podem ser vistos na Tabela 3.5. Com esses dados, foi calculada a relação peso-comprimento, segundo o modelo da Equação 3.1,

W = A × Lb,(3.1)

na qual W é o peso e L é o comprimento. Os coeficientes obtidos encontram-se na Tabela 3.6 e o gráfico da relação, na Figura 3.8.

Tabela 3.5: Pesos e comprimentos obtidos para os peixes do desembarque. CT: comprimento total; CF: comprimento furcal; P: peso.
(não disponível online)

[Fig. 3.7]
Figura 3.7: Histogramas de comprimento para o desembarque de cavalinha.

Tabela 3.6: Coeficientes da relação peso-comprimento (Equação 3.1) para o desembarque de cavalinha

CoeficienteValorIntervalo de confiança (95%)
a2,569×10−61,838×10−7–4,954×10−6
b3,2443,077–3,411

[Fig. 3.8]
Figura 3.8: Relação peso-comprimento para os peixes do desembarque. O R² para a curva ajustada é de 0,9422.

3.3 Palestra

Élvio contou que seu pai era pescador (canoa) e ainda trabalhava na salga da sardinha. No início do “manejo”, era pescador e desconfiava muito da pesquisa.

Pesca de camarão sete-barbas, antigamente, feita com canoa a remo e puçá. O camarão só era consumido se sobrasse e a quantidade era pouca, pois também servia de isca em linha de mão ou espinhél.

[Fig. 3.9: Élvio Damásio]
Figura 3.9: Élvio Damásio.

Foi feita a descrição e esquema do cerco flutuante, que hoje, no litoral norte, está presente em Camburi e Picinguaba. Nesta arte de pesca são utilizadas duas canoas: uma grande (3 a 7 pessoas) e outra pequena (2 pessoas). Início em 1920 (Ilhabela), proveniente do Rio de Janeiro. Até a década de 50, “caía no cerco só peixe bom”: sororoca, cavala, cara-pau, bonito (abundante), peixe-galo, anchova. A partir dessa época, diminuiu o cerco pela substituição por traineiras e maior número de embarcações. Houve diminuição do estoque pesqueiro e da mão-deobra. Além disso, o atravessador não paga o preço justo. Desenvolvimento urbano com mais construções de casas e hotéis que inferem em maior iluminação, a qual afugenta o peixe. Há despejo de esgotos nos rios, devido a falta de saneamento básico. Diminuiram as pessoas que fazem o corte da rede de cerco que é protegida com casco de madeira de jequitibá, quaresmeira, manacá da serra… não é mais viável devido à Proteção da Mata Atlântica e foi substituída por químicos.

Outras arte de pesca: rede de arrasto (camarão) e rede de emalhe de fundo (corvina). Pessoas que abandonaram o cerco partiram para a pesca do camarão, corvina e serviço em traineira. Alguns adquiriram barco e foram pescar camarão, outros se aposentaram.

Pesca da sardinha só é feita no escuro (lua nova ou minguante). Defeso da sardinha: dezembro (desova), junho/agosto (fase juvenil).

Atualmente está diminuindo o estoque de corvina também. Uma traineira de Angra em um lance de rede capturou 150t de corvina (antes da proibição).

Nas décadas de 60 a 90, houve o desenvolvimento do espinhel para pesca do cação, hoje já não é mais utilizado na região, foi substituído por rede de deriva.

O espinhel de deriva para pesca de dourado na plataforma continental da região de Ubatuba encontrou dificuldade no transporte, armazenamento e obtenção do gelo e combustível (muito caro), acabaram mudando o local de pesca para Santos e Itajaí.

Na região do Mar Novo utilizam espinhel de fundo para capturar peixes de profundidade como: batata, cherne, congrio, namorado, etc. Há um barco mãe com vários botes (entre 12 e 20) com um pescador em cada e distantes entre si de 15 a 20m; utilizam as pargueiras. APA (Área de Proteção Ambiental) em Boiçucanga, São Sebastião até divisa de Camburi com Ubatuba causou divergências entre a Prefeitura de Ubatuba e a Colônia de Pescadores. A APA tem limite com o Parque Estadual. Foi proibida a pesca de parelha por embarcações de grande porte. Mas a questão é: “O que é de grande porte?”. Até a isóbata 23,6m, a pesca industrial e a de isca viva são proibidas, só é permitida a pesca artesanal. E da isóbata 7m até a costa é proibido o arrasto para pesca de camarão.

A miticultura (criação de mariscos em longline) utilizava sementes retiradas de banco natural até a realização de um trabalho de cultivo de larvas pela AMESP (Associação de Maricultores do Estado de São Paulo) para evitar a extração de sementes da natureza. Ubatuba passou à frente de Caraguatatuba na criação de mexilhões. No caso do cultivo de algas encontrou-se o problema de se trabalhar com espécies exóticas para a obtenção de substâncias como carragena e agar-agar. Hoje este tipo de cultivo encontra-se liberado de Mangaratiba até Ilhabela. Os dois projetos-piloto são na Enseada (Ubatuba) e Boiçucanga (Caraguatatuba), com 2000 m² de lâmina d’água cedidos para este cultivo.

Quanto aos subsídios, o mercado de peixe não encontra-se legalizado, assim como as construções próximas à bomba de diesel. Para a obtenção dos subsídios é necessário que o pescador tenha carteira assinada sendo, portanto, considerado armador, geralmente em pesca industrial; o que não o dá direito ao seguro-defeso (destinado aos que comprovam a pesca apenas da espécie em defeso).

A pesca artesanal dá-se de 30–40m de profundidade para dentro (costeira), enquanto a industrial dá-se desta profundidade para fora, em direção ao mar aberto. No entanto, o pescador deixa de ser artesanal e passa a ser industrial quando entrega seu produto ao atravessador. A lavoura de subsistência é, basicamente, de lantação de banana, mandioca e milho. Antigamente, os principais produtos que eram comercializados de Santos para Ubatuba eram: roupa, azeite, querosene, sabão e carne seca. E de Ubatuba para Santos, farinha, peixe seco e pinga. Levavam de 5 dias à 1 semana para chegar a Santos, partindo de Picinguaba em um barco a remo.

A comunidade luta para a permanência da cultura popular através de, entre outras coisas, danças como a da fita e o fandango. Simbologia de árvores, frutos e flores; os dois últimos representados pelas crianças. Homens se vestem de mulher.

4 Discussão

4.1 Entrevistas

Os resultados de nossas entrevistas (Seção 3.1.2) mostram claramente que há uma distinção quanto ao tipo da frota (consequentemente, espécie alvo, arte de pesca, distância da costa, etc) dos três locais de desembarque visitados.

No Saco da Ribeira, a maior parte dos pescadores entrevistados (50%) trabalha na pesca da sardinha, utilizando pesca de cerco com traineiras. Algumas observações quanto ao perfil sócio-econômico, mostram que neste caso há uma relação contratual entre o dono do barco e os pescadores e que o pagamento consiste na divisão por partes. As outras espécies-alvo mencionadas nas entrevistas no Saco da Ribeira são camarão sete-barbas (arrasto de portas) e cações e corvinas (redes de emalhe).

No Cais do Alemão os resultados das entrevista mostram que aproximadamente metade dos pescadores entrevistados trabalham em barcos de emalhe (cuja espécies-alvo são cações e corvinas) e arrasteiros (cuja espécie-alvo é o camarão sete-barbas).

Na Ilha dos Pescadores, os resultados das entrevistas mostram que a maior parte dos pescadores entrevistados são de pequenos arrasteiros (arrasto de portas) cuja espécie-alvo é o camarão sete-barbas e mais de 60% disseram pescar outras espécies (para este resultado, atentamos ao fato que na época em que realizamos as entrevistas era período de defeso do camarão). O tamanho das embarcações e o número de tripulantes são bem menores que nos outros locais de desembarque, porém a distância da costa respondida pelos três pescadores foi muito variável, 2 a 3,5 milhas e outro de 30 até 60 milhas.

A média das idades dos pescadores do Píer Saco da Ribeira e da Ilha dos pescadores é muito próxima, em torno de 45 anos. No Cais do Alemão, a média das idades é um pouco menor, cerca de 38 anos. O Cais do Alemão foi o local que apresentou a maior amplitude de idades, entre 26 e 71 anos. Em relação à idade com que o pescador ingressou na pesca, o Cais do Alemão foi o local onde os pescadores começaram a pescar mais cedo, na média com 10 anos de idade, enquanto que nos outros locais, os pescadores iniciaram suas atividades com, em média, 16 anos.

A análise do estado civil dos pescadores revela que nos três locais visitados, a maioria dos entrevistados são casados. Apenas um pescador divorciado foi encontrado no Cais do Alemão e alguns (geralmente mais jovens) solteiros. É interessante notar que nenhuma mulher pescadora foi encontrada nos locais visitados, revelando a disparidade sexual da atividade pesqueira.

Cerca de 60% dos entrevistados não gostariam que o filho fosse também um pescador. Estes consideram que a pesca é uma atividade que não fornece mais segurança financeira . além do fato da necessidade de ficar muito tempo afastado da família e por isso, preferem que o filho estude e exerça outros tipos de atividade.

O tamanho da malha das redes utilizada pelos pescadores mostrou pouca variação, ficando em torno de 13mm, com a exceção de uma embarcação, no Píer Saco da Ribeira, que utliliza uma malha de 3cm.

A capacidade dos porões das embarcações do Píer Saco da Ribeira é muito mais elevada que a das embarcações dos outros 2 locais . Esse aumento está claramente relacionado à presença de traineiras no local. A Ilha dos Pescadores, mostrou-se composta basicamente por arrasteiros, que são embarcações de pequeno porte e, portanto, com porões de capacidade menor (um dos pescadores entrevistados não possui porão, armazenando o pescado em caixas de isopor com gelo).

Durantes as entrevistas, procuramos questionar os pescadores sobre os principais problemas da pesca. Obtivemos as mais diversas respotas, porém todas, como o mesmo tom, em que os pescadores questionavam as fiscalização dos órgãos ambientais, dizendo que os fiscais aplicam as mesmas leis da pesca industrial para os pescadores artesanais. Os pescadores foram unânimes e veêmentes (principalmente os mais velhos) em dizer que as leis são elaboradas por pessoas que desconhecem a pesca, essencialmente a pesca artesanal. Para isso, apotamos a necessidade de se conhecer as peculiaridades das diferentes comunidades pesqueiras para que então se possa elaborar leis. Questionados sobre o criação da Área de Proteção Ambienhtal (APA) envolvendo diversas ilhas em Ubatuba, os pescadores também se mostraram insatisfeitos, vale a pena ressaltar que na palestra do Sr. Hélvio foi dito que a criação das APAs leva em conta o tamanho da embarcação quando elabora áreas de restrição de pesca, navegação, etc.

4.2 Laboratório

Em relação ao comprimento furcal, o maior número de indivíduos ocorreu nas classes 210–216; 217–222 e 240–246. No comprimento total, predominaram as classes 228–234; 235–240 e 282–288. Observamos a seleção do indivíduos com comprimento total de 200–300, devido ao tamanho da malha utilizada pela embarcação.

No gráfico de relação peso-comprimento (Figura 3.8), pode-se observar a relação exponencial entre ambos os parâmetros, conforme o esperado, com o coeficiente b próximo de 3 com um R² de 0,9422, indicando que a Equação 3.1 é adequada para descrever o comportamento das variáveis.

5 Considerações finais

No presente trabalho, buscamos caracterizar a atividade pesqueira do município de Ubatuba, no litoral norte do estado de São Paulo, através da abordagem dos pescadores. Realizamos 12 entrevistas em três locais de desembarque distintos (Píer do Saco da Ribeira, Cais do Alemão e Ilha dos Pescadores), as quais nos permitem concluir sobre a diferença entre as frotras pesqueiras de cada local de desembarque: no saco da ribeira predominaram traineiras (para pesca de sardinha) e emalhes (para pesca de tainha e cação), cujo pescado comercializado pelo armador, sendo levado, na maior parte dos casos, para o CEAGESP, em São Paulo; no Cais do Alemão observamos um equilíbrio entre arrasteiros (para pesca de camarão sete-barbas) e emalhes, cujo pescado é comercializado com peixarias de Ubatuba ou diretamente para o CEAGESP em São Paulo; e na Ilha dos Pescadores observamos um predominio de arrasteiros, muito embora os três pescadores entrevistados disseram que à época estavam pescando outras espécies (devido ao defeso do camarão). Neste último local, os pescadores afiramaram vender o pescado para peixarias locais ou diretamente para o consumidor.

De forma geral, o trabalho ajudou a ter uma noção geral sobre as principais características da atividade pesqueira no município de Ubatuba, apesar do número amostral de entrevistas ser pequeno e consequentemente não nos permitir ser muito conclusivos. A palestra ministrada pelo Sr. Hélvio Damásio também foi muito produtiva e, junto com as entrevista, nos ajudou a compreender um pouco melhor os aspectos sociais e as transformações que a pesca de Ubatuba vem sofrendo nas últimas décadas, de tal modo que consideramos ter atingido o objetivo principal do trabalho de campo da disciplina IOB 1128 - Biologia Pesqueira que é o de levar os alunos à comunidade pesqueira, para que os mesmo tomem conhecimento das relações, cultura e conflitos envolvidos na atividade pesqueira. Neste ponto, acreditamos que fomos muito bem sucedidos, apesar do pequeno número de entrevistas, conseguismos abordar diferentes tipos de pescadores (desde jovens contratados para trabalhar numa traineira até senhores de idade possuem pequenas embarcações de arrasteiras) e presenciamos um grande desembarque de aproximadamente 35t de sardinha. Desse desembarque coletamos uma amostra de cavalinha (fauna acompanhante) e pudemos também tomar conhecimento de como se faz uma avaliação de peso e comprimento de um determinado estoque a partir de uma subamostragem indireta.

A palestra evidenciou o histórico e o contexto atual de Ubatuba. Apresentou as principais divergências entre a prefeitura e a colônia de pescadores (ex: APA), bem como a falta de definições claras para proibições e recebimentos de subsídios.

Para os trabalhos futuros, sugerimos que os dados das entrevistas de todos os grupos sejam utilizados, para que se posssa aumentar o número amostral.

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