Danilo R. Vieira | Oceanógrafo

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Capítulo 5 - Som e luz no oceano

Material escrito pelo Prof. Dr. Joseph Harari e disponibilizado impresso durante aulas da disciplina IOF 1202 - Oceanografia Física Descritiva, ministrada no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo no ano de 2007.

1. Som no mar

O método mais eficiente normalmente disponível para a transmissão de informações através da água oceânica envolve propagação de ondas sonoras (mecânicas). São utilizadas as faixas de frequências sub-sônica, audível e super-sônica.

A propagação do som no mar é aplicada na medição de profundidades, detecção de objetos, localização de cardumes, disparo de instrumentos submersos, telemetria de informações, etc …

Na atmosfera, a luz (na parte visível do espectro) é menos atenuada que o som; no mar, ocorre o inverso.

No oceano claro, a luz do sol pode ser detectada por instrumentos a profundidades de até 1000m, mas pelo olho humano esta distância raramente excede 50m, por isso, som é usado para obter informações no oceano (ex: determinação de profundidades).

Mas a turbulência e deshomogeneidades no oceano dificultam o uso do som para a obtenção de “fotografias” no oceano.

Frequências de som usadas: unidades a milhares de Hertz (Hz).

Velocidade do som (c), frequência (f) e comprimento de onda (λ) relacionados pela equação de onda c = f × λ.

Maior parte dos instrumentos no oceano opera em frequências de 10 a 100 kHz, λ de 14 a 1,4cm.

Principal aplicação: ecobatímetro—determina a profundidade D a partir de pulsos curtos de som direcionados verticalmente para baixo a partir do casco do navio; e que levam tempo t para voltarem refletidos no fundo. Sendo c a velocidade média do som na coluna, D = c t / 2.

Mesmo instrumento (transducer) é usado para transmitir pulsos e detectar os refletidos.

Ecobatímetro comum, de 12 kHz, usa feixe de som c/ largura de 30° a 60° (o que pode dificultar a obtenção de detalhes da batimetria do fundo). Para sondagens especiais, são usados feixes mais estreitos.

Pode-se também usar frequências maiores, 100 a 200 khz, mas absorção do som varia com o quadrado da frequência (o que limita a profundidade de penetração do som).

Ecobatímetros são também usados para localizar cardumes.

Sonares (com pulsos em qualquer direção): usados para detectar submarinos ou cardumes.

Hidrofones são usados para detectar sons ambientes no mar (ação do vento na superfície, ondas, peixes, crustáceos, efeitos sísmicos, …).

Deshomogeneidades no oceano (partículas de sedimento, bolhas , plankton, peixes, montes submarinos) causam espalhamento das ondas de som e reflexões irregulares: como resultado, pulsos emitidos nítidos são recebidos por hidrofones com formas irregulares e atrasos (reverberações).

Velocidade do som c (em m/s) depende de salinidade S, temperatura t (em °C), e profundidade D (em m):

c = 1449 + 4,6 t − 0,055 t2 + 1,4 (S − 35) + 0,017 D

Para a superfície, t = 0°C e S = 35, c aumenta 4 m/s para Δt = +1°C, aumenta 1,4 m/s para ΔS = +1 e aumenta 1,7 m/s para ΔD = +100 m (efeito da pressão).

A velocidade do som na água do mar independe da frequência. Considerando os perfis verticais típicos de temperatura no mar e as variações da velocidade do som com temperatura, salinidade e profundidade acima descritas, resulta um perfil típico para a velocidade do som no mar como o da Figura 1. A influência dominante na velocidade do som na camada de mistura é a profundidade, depois o declínio da temperatura com a profundidade prevalece (na termoclina) e na camada de fundo o efeito do aumento da profundidade (pressão) predomina. Somente em altas latitudes, onde temperatura é próxima a zero e varia pouco, a salinidade tem algum efeito significativo.

[Fig.]
Figura 1: (a) perfil típico de temperatura em latitudes médias, (b) perfil resultante da velocidade do som (tem mínimo a 700 m, devido ao efeito da temperatura).

2. A atenuação do som

A intensidade do som I (energia/tempo/área), ao atravessar distância x, sofre atenuação:

\[ I(x) = I(0)\, \mathrm{e}^{(-\mu\, x)} \]

onde μ é o coeficiente de absorção.

A absorção corresponde à perda de energia cinética das ondas sonoras, principalmente devido à fricção, que transforma esta energia em calor. A fricção, por sua vez, é devida à viscosidade da água do mar. Efeitos químicos são também responsáveis pela absorção sonora.

O meio oceânico é melhor do que o atmosférico para a propagação do som pois a absorção é menor na água do que no ar e também porque a velocidade de propagação na água é muito maior do que no ar. A absorção, tanto no mar quanto no ar, depende da frequência do som, de modo que ela é maior quanto maior for a frequência.

A “distância de absorção característica” Xe é a distância percorrida por um raio de som apresentando uma intensidade igual a 1/e (ou 36,8%) da intensidade inicial (ver Tabela 1). Xe é o inverso de μ.

Tabela 1: comprimento de onda teórico (λ) e distância de absorção característica (Xe) para várias frequências de som na água do mar, assumindo c = 1500 m/s, ρ = 1025kg/m3 e μ = 1,5 m−1

f (Hz)λXe (km)
5030 m1,75 × 107
5003 m1,75 × 105
500030 cm1750
1000015 cm437
1500010 cm194
250006 cm70
500003 cm17,5

A energia sonora pode também ser perdida por espalhamento, através da reflexão do raio do som em partículas suspensas. A atenuação devido ao espalhamento por matéria em suspensão é extremamente variável no espaço e no tempo e introduz erros nas medições de aparelhos acústicos.

3. Refração do som

Como velocidade do som depende das propriedades da água (temperatura, salinidade e pressão), ocorre refração, isto é, a direção de propagação das ondas sonoras pode ser desviada pelas mudanças ou deshomogeneidades das propriedades características do mar. Deshomogeneidades minúsculas mudam a direção de ondas vizinhas e são a razão básica da dificuldade de se formar imagens com ondas sonoras.

Devido à refração, na interface de camadas de água homogêneas, a direção de propagação é alterada na direção de menor velocidade de propagação sonora (Figura 2).

[Fig.]
Figura 2

4. Canal de Som na superfície

Características do perfil de som fazem com que raios de som emitidos na superfície sejam refratados para cima e refletidos na superfície, formando um “canal de som na superfície” (Figura 3); parte do som, entretanto, deixa a fonte num ângulo tal que raios são refratados para baixo; camada onde raios de som não podem penetrar é chamada “Zona de sombra”, na qual alvos não podem ser detectados (por sonar de superfície).

[Fig.]
Figura 3

5. Canal de Som “SOFAR”

Fonte sonora no nível de mínima veloc do som gera canal de som SOFAR (Sound Fixing and Ranging). Raios que se dirigem para cima são refratados para baixo; raios que se dirigem para baixo são refratados para cima (Figura 3). Somente raios sonoros na vertical não são canalizados, mas refletidos, na superfície ou no fundo. Sons de baixas frequências (centenas de Hertz) viajam distâncias consideráveis (milhares de km).

Devido à formação da zona de sombra, submarinos nela escondidos não podem ser detectados por um sonar localizado na superfície. Torna-se então necessário mover a fonte de som na direção vertical, de forma a cobrir a zona de sombra por um canal SOFAR.

Canal SOFAR é típico de baixas e médias latitudes; nas altas latitudes esse canal se junta ao canal de som na superfície.

Para um receptor de som num canal SOFAR, ondas refratadas chegam antes do que as que viajam horizontalmente (apesar da maior distância, sua veloc é maior).

6. Experimentos com som em grandes distâncias

Munk et ai (1988) realizaram experimento mundial: som emitido em Perth (Austrália) recebido nas Bermudas (América Central).

Canal SOFAR: 19821 km percorridos em 13382 ± 4 s. Estudos: esfericidade da Terra, refração lateral (além da vertical), difração (em Cabo Agulhas, África do Sul), reflexões, turbilhões em grande escala, variação do nível do eixo principal do Canal SOFAR (ex: 400 m na emissão, 1500 m na recepção).

Aplicação de ondas sonoras no estudo da estrutura do oceano é chamada “Tomografia acústica do oceano”.

7. Luz no mar

A penetração da luz solar em profundidades moderadas no oceano toma possível o crescimento das plantas, que é a base para uma população biológica enormemente diversificada. Os pigmentos das plantas responsáveis pela fotossíntese são adaptados para absorver a energia da luz, com maior eficiência nos comprimentos de onda que são mais eficientemente transmitidos através da água. Muitos organismos marinhos possuem órgãos produtores de luz de alta eficiência, nas bandas de frequências mais favoráveis para transmissão no mar.

A absorção da energia solar através de camadas na superfície do oceano proporciona o armazenamento de vastas quantidades de calor. Este calor é depois devolvido para a atmosfera, sob várias formas.

A luz é atenuada muito mais rapidamente que o som no oceano, de modo que instrumentos acústicos são usados, em aplicações onde se deseja “ver” através da água. Com o desenvolvimento de técnicas de laser é provável que instrumentos de observação ótica sejam adotados. Neste caso, a alta energia envolvida e a facilidade de focalização do raio podem compensar a alta atenuação. Neste campo, as pesquisas visam desenvolver aparelhos de laser operando na faixa de frequências de mínima absorção.

Luz é muito mais absorvida no mar do que no ar. Comprimentos de onda λ entre 0,4 e 0,8 μm (1μm = 10−6m), do violeta ao vermelho no espectro visível. Quando esta energia de ondas curtas penetra no oceano, parte sofre espalhamento e maior parte é absorvida (o que eleva a temperatura das águas). Este é o maior suprimento de calor dos oceanos.

Para cada comprimento de onda, a intensidade de radiação I (energia/tempo/área) varia com a profundidade z de forma exponencial (com coeficiente de atenuação vertical k):

\[ I(z) = I(0) \, \mathrm{e}^{(-k \times z)} \]

Tabela 2: k depende (muito) da absorção da luz no mar e (um pouco) do espalhamento.

Profundidade z (m)Coeficiente de atenuação vertical k (m−1)Água oceânica claraÁgua costeira
0,020,22
0I0 = 100%100%100%100%100%
1I0 = 98%82144518
296672398
1082140220
50370050
10014000,50

[Fig.]
Figura 4: Em cima: em águas oceânicas claras k tem valor mínimo (0,02 m−1) no azul (0,45 μm), de modo que o azul é o menos atenuado (o que mais penetra). Águas costeiras tendem para o verde e águas estuarinas para o marrom (devido a partículas em suspensão, de argila e silte). Em baixo: quantidades relativas de energia que penetram no oceano, atingindo as profundidades de 1, 10 e 50 m, em função do comprimento de onda.

Em águas oceânicas claras, há luz suficiente em 50 a 100 m de profundidade, o que permite a um mergulhador trabalhar; mas em águas costeiras turvas, quase toda a energia radiante é absorvida nos primeiros 10m.

Considerações acima são para cada componente (comprimento de onda) da luz. O fenômeno da propagação da luz no mar deve ser considerado como a somatória dos efeitos de cada componente (Iuv + Ivioleta + Iazul + Iverde + …).

Quando um raio de luz viaja uma distância Z = Ze = 1/k, a intensidade I(Ze) corresponde a 1/e da intensidade inicial I(0). Z, é chamada “distância de extinção”. Como 1/e vale 0,368, a intensidade da luz terá redução para 36,8% de seu valor inicial ao atravessar uma camada de espessura Z.

IMPORTANTE

  1. A atenuação aumenta com o aumento da concentração de partículas, para todo λ.
  2. Quanto maior a concentração de partículas, maior é o λ de mínima atenuação.

Quando um feixe atravessa uma camada, a intensidade transmitida pela camada é igual à intensidade incidente na camada, menos a intensidade absorvida pela camada e menos a intensidade espalhada pela camada. O “coeficiente de transmissão por unidade de distância” é definido como

\[ T=\frac{I(z_2)}{I(z_1)(z_2-z_1)} \]

onde Z1 é o nível de profundidade do início da camada e Z2 é o nível de profundidade do final da camada por onde o feixe de luz passa (Figura 5). Em termos percentuais:

\[T(\%) = 100\ T\]

[Fig.]
Figura 5

Penetração da luz no mar é importante no estudo de seu balanço de calor. A grande atenuação do ultra-violeta não é importante, pois as quantidades de energia nos pequenos comprimentos de onda da luz são pequenas. A maior absorção na direção do vermelho é importante, pois é onde se encontra a maior parte da energia da radiação solar. Virtualmente, toda a energia em comprimentos de onda menores que o visível é absorvida no primeiro metro de água; e a energia em comprimentos maiores que 1,5 μm é absorvida no primeiro centímetro. A penetração da luz no mar é muito importante também pI estudos biológicos (fotossíntese, comportamento de peixes, …).

8. A cor da água do mar

99% da energia que atinge a superfície do mar tem 0,15 < λ < 4,00 μm. Mais que 50% desta energia é na banda do visível, centrada em λ = 0,47μm (Tabela 3). Em regiões oceânicas claras, o mínimo valor de k é observado para 0,46 < λ < 0,48 μm, no meio da faixa visível do espectro. A atenuação aumenta rapidamente para λ menores (ultravioleta) e maiores (vermelho e infra-vermelho). Para λ = 0,47μm, k = 0,0208 m−1, a distância de extinção característica é ze = 48 m.

Tabela 3

 UVAzulVerdeVermelhoIV
λ (μm)0,30,4–0,50,5–0,60,6–0,70,8

Mais de 50% da energia que atinge a superfície do mar é na banda do visível, centrada em λ = 0,47 μm. A transmissão é muito eficiente em regiões oceânicas (com baixa produtividade orgânica). Por outro lado, águas costeiras são geralmente mais opacas, devido ao conteúdo maior de material orgânico e de material em suspensão, o que provoca espalhamento.

Quando a radiação penetra na água ocorre absorção (seletiva em relação aos comprimentos de onda À) e espalhamento (que depende da concentração de material suspenso).

A Tabela 4 demonstra que a transmissão é geralmente muito eficiente em águas oceânicas, especialmente em regiões de baixa produtividade orgânica. A cor azul das águas oceânicas é devida ao espalhamento por moléculas de água apenas. Águas costeiras são esverdeadas por terem uma grande população de fitoplâncton; de fato, o azul é chamado “cor do oceano-deserto”, pois é a cor da água sem vida. A cor marrom de águas estuarinas normalmente é causada por lama em suspensão.

Tabela 4

Tipo de água oceânicaComprimento de onda de
transmissão máxima (μm)
% de transmissão por metro
Oceânica mais clara0,47098,1
Oceânica média0,47589,0
Costeira mais clara0,50088,6
Costeira média0,55072,4
Média continental0,60060,8

Em água oceânica clara, a luz solar pode ser percebida até 1000 m de profundidade, mas a distância a que o olho humano pode distinguir detalhes de um objeto raramente excede 50 m e comumente é ainda menor. Pesquisadores tem descoberto que uma importante contribuição à iluminação em grandes profundidades pode vir de organismos que lá se encontram, os quais produzem “flashes” curtos mas intensos.

Em geral, águas oceânicas equatoriais e tropicais são azuis ou azuis-indigo. Em latitudes altas, cor tende a azul-esverdeado; em regiões polares, tende a verde. Azul de águas oceânicas em baixas latitudes com pouco material particulado: moléculas de água espalham o azul e absorvem o vermelho. Presença de fitoplâncton provoca absorção do azul e desloca cor da água para o verde, típico de águas de maior produtividade, em altas latitudes e áreas costeiras. Em regiões costeiras, materiais trazidos por rios e atividade planctônica produzem uma tendência de marrom para as águas do mar.

9. Reflexão e Refração da luz

Quando uma radiação de intensidade I incide na superfície do mar num ângulo i com a vertical, parte é refletida num ângulo igual (com intensidade R) e parte é transmitida (com intensidade Tm), sendo refratada ao penetrar no mar, fazendo um ângulo r com a vertical (Figura 6 e Tabela 5).

[Fig.]
Figura 6: reflexão e refração da radiação incidente na interface água-ar.

Tabela 5: valores do ângulo de refração r e instensidade refletida R e refratada (Tm), para uma incidência I = 100, em função do ângulo de incidência da luz i.

i10°20°30°40°50°60°70°80°90°
r15°22°29°35°41°45°48°49°
R2,02,12,12,12,53,46,013,434,8100
Tm98,097,997,997,997,596,694,086,665,20,0

Devido à refração, a velocidade da luz varia ao passar do meio atmosférico para o oceânico; a variação é quanto à direção de propagação (do ângulo i para o ângulo r) e também quanto ao módulo: a luz se propaga no ar com uma velocidade que é 1,33 vezes sua velocidade na água do mar. A alta reflexão associada com grandes valores de i explica a imagem brilhante do sol, refletida na superfície da água, quando ele se encontra numa altitude baixa.

A ocorrência de ondas, devidas por exemplo ao vento, altera o ângulo de incidência da radiação solar na superfície do mar, modificando a reflexão e a transmissão de energia solar.

A refração depende do comprimento de onda λ da radiação incidente, da temperatura e principalmente da concentração dos íons de cloro. Por isso, a medida do índice de refração constitui um método de determinação da salinidade da água do mar.

10. Transferência de som e luz ent re o ar e o mar

Como a relação da velocidade do som na água para a velocidade do som no ar é grande (cerca de 4,5 para 1), somente uma pequena quantidade de energia sonora partida de um dos meios penetra, através da superfície de separação, no outro; isto contrasta com a relativa facilidade com que a luz passa de um meio ao outro (pois ela se propaga no ar apenas 1,33 vezes mais rapidamente que na água). Esta é a razão pela qual um homem em terra é surdo aos ruídos do mar, e porque não se pode falar diretamente do ar a um mergulhador.

Para fontes sonoras a serem usadas em sonares ou ecobatímetros, a energia sonora é gerada em corpos sólidos, chamados transdutores, eletromagneticamente, com velocidade do som similar à da água, de modo que este ajuste permite que a energia seja eficientemente transmitida no mar.

Transdutores mecânicos, como hidrofones ou transdutores de ecobatímetro, captam a energia sonora na água e a transmitem no ar com eficiência.